Um novo tratamento para a Esteatohepatite Não-alcoolica

FÍGADO, DOENÇAS E TRATAMENTOS

A esteatohepatite não-alcoolica (nonalcoholic steatohepatitis ou NASH) é a forma severa da doença hepática gordurosa não-alcoólica, sendo caracterizada pela presença de esteatose (acúmulo de gordura hepática), dano hepatocitário e inflamação. A NASH associa-se a fibrose, cirrose e aumenta o risco de carcinoma hepatocelular (câncer de fígado), doença cardiovascular, doença renal crônica e morte.

A resistência insulínica, o aumento da adiposidade corporal e a disfunção do tecido adiposo são fatores associados ao aparecimento da NASH. Neste quadro há maior direcionamento de ácidos graxos livres e carboidratos para o fígado metabolizar, havendo sua sobrecarga e acúmulo lipídico, injúria celular, inflamação e fibrose hepática.

A Liraglutida, um agonista de receptor de GLP-1 (glucagon-like peptide-1), mostrou ser capaz de melhorar os níveis de enzimas hepáticas, reduzir a esteatose e ter efeito benéfico na redução do dano histológico na NASH (especialmente na dose de 1,8mg). A Semaglutida possui um mecanismo de ação semelhante ao da Liraglutida, mas com efeitos metabólicos mais pronunciados. Em estudos prévios, a Semaglutida induziu a perda de peso e melhorou o controle glicêmico em obesos com diabetes tipo 2. Foi também associada a redução do risco cardiovascular entre pacientes diabéticos tipo 2 e reduziu os níveis de transaminases e de marcadores inflamatórios.

Em novembro/2020 foi publicado na revista médica New England Journal of Medicine o artigo intitulado “A Placebo-Controlled Trial of Subcutaneous Semaglutide in Nonalcoholic Steatohepatitis” (Newsome et al; DOI: 10.1056/NEJMoa2028395), o qual foi um estudo randomizado, placebo controlado de fase 2, com o objetivo de investigar o efeito da Semaglutida na resolução histológica da NASH.

Este estudo envolveu 143 centros de tratamento em 16 países e pacientes com idade entre 18 e 75 anos, com ou sem diabetes mellitus tipo 2 e com índice de massa corpórea (IMC) maior que 25kg/m2. Todos os pacientes deveriam ter uma biópsia hepática comprovando a presença de NASH (com atividade inflamatório maior ou igual a 4 e fibrose de F1 a F3).

Seu protocolo incluía 72 semanas de tratamento com doses diárias (por via subcutânea) de Semaglutida de 0,1 ou 0,2 ou 0,4mg ou doses diárias de placebo (havendo assim 4 grupos a serem comparados, sendo 3 deles com medicação em doses diferentes). Nos grupos com dose acima de 0,1mg (0,2 e 0,4mg por exemplo), a Semaglutida era iniciada em dose de 0,1mg/dia e aumentada a cada 4 semanas em 0,1mg/dia até se chegar à dose alvo do respectivo grupo de estudo. 

No total 302 pacientes terminaram o acompanhamento do estudo (320 inicialmente randomizados) e destes, 285 completaram todo tratamento. As características dos pacientes do estudo eram: média etária de 55 anos; 61% mulheres; 78% brancos; 62% com diabetes mellitus tipo 2; média de IMC de 35,8Kg/m2 e 49% com fibrose hepática grau 3.

Entre os pacientes com fibrose grau 2 e 3 a porcentagem de pacientes na qual a NASH foi resolvida (sem piora no grau de fibrose) foi significativamente maior nos grupos Semaglutida que no grupo placebo (maior percentual de diferença foi no grupo com dose de 0,4mg/dia: 59% de resolução versus 17%; odds ratio 6,87; p<0,001).

Entre todos os pacientes que entraram na randomização, houve piora do quadro de fibrose em 10%, 8% e 5% dos grupos Semaglutida 0,1, 0,2 e 0,4mg/dia e 19% no grupo placebo. A porcentagem de pacientes que teve tanto resolução da NASH, quanto melhora da taxa de fibrose foi 37% no grupo Semaglutida 0,4mg e 15% no grupo placebo.

Semaglutida não conseguiu reduzir pelo menos um grau de fibrose, sem piorar o NASH, de forma significativa (43% no grupo Semaglutida 0,4mg/dia versus 33% do grupo placebo; odds ratio: 1,42; p=0,48).

Houve redução do peso em média em 5% no grupo Semaglutida 0,1mg, 9% no grupo Semaglutida 0,2mg, 13% no grupo Semaglutida 0,4mg e 1% no grupo placebo. Queixas gastrointestinais foram os efeitos adversos mais relatados pelos participantes, como náuseas, constipação, redução do apetite, vômitos e dor abdominal, sendo maiores no grupo Semaglutida 0,4mg. Cerca de 7% dos pacientes suspenderam o tratamento devido aos efeitos adversos.

Desta forma, em pacientes com biópsia hepática comprovando a presença de NASH deve-se considerar este grupo de medicações.

DR. JEAN TAFAREL

Hepatologia & Gastroenterologia
CRMPR: 19.809

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