As Desordens da Motilidade Esofágica são doenças do movimento do esôfago, isto é, doenças que alteram a forma do esôfago se contrair, prejudicando o trânsito do alimento da boca até o estômago. As desordens da motilidade esofágica são divididas em primárias e secundárias.
As desordens primárias ou idiopáticas do esôfago são mais comuns que as secundárias. Sua causa ainda é desconhecida por completo. A presença de contrações esofágicas de elevado e reduzido vigor, curta latência da contração do esôfago distal (parte mais baixa do esôfago) e prejuízo no relaxamento do esfíncter esofagiano inferior são primordiais para o diagnóstico dessas alterações pela Classificação de Chicago.
As desordens primárias da motilidade esofágica são:
- Acalasia do esôfago (tipos 1, 2 e 3): caracteriza-se por prejuízo no relaxamento do esfíncter esofagiano inferior e ausência de peristalse esofágica.
- Obstrução de saída da junção esofagogástrica: existe também prejuízo no relaxamento do esfíncter esofagiano inferior, mas a peristalse do esôfago é normal.
- Espasmo esofágico distal: há relaxamento do esfíncter esofagiano inferior normal, mas tempo de latência reduzido nas contrações do esôfago distal.
- Esôfago Hipercontrátil ou Esôfago em Quebra Nozes ou Esôfago em Britadeira: neste caso há também relaxamento do esfíncter esofagiano inferior normal, mas elevada amplitude das contrações do esôfago.
- Peristalse esofagiana inefetiva: caracteriza-se por baixa amplitude das contrações do esôfago ou peristalse esofágica fragmentada.
Nos pacientes com Acalasia o esvaziamento esofágico é incompleto. O sinal presente na manometria esofágica destes pacientes é o prejuízo no relaxamento do esfíncter esofagiano inferior e ausência de peristalse. Essa doença pode ser classificada em tipos 1, 2 e 3, as quais diferem pela amplitude de pressurização do esôfago (a pressurização aumento do tipo 1 ao 3). O tipo 2 é o que possui melhor resposta ao tratamento médico e cirúrgico e o tipo 3 (espástico) é o que tem pior resposta.
O Espasmo Esofágico Distal caracteriza-se por redução da latência entre as contrações esofágicas distais. Já a Hipercontratilidade do Esôfago (ou Esôfago em Quebra Nozes) caracteriza-se por contrações peristálticas distais com amplitude acima do normal.
A baixa pressão do esfíncter esofágico inferior e baixa amplitude das contrações esofágicas geralmente associam-se a Doença do Refluxo Gastresofágico (DRGE).
A fisiopatologia das desordens secundárias está relacionada a desordens sistêmicas. São exemplos de doenças que afetam o esôfago:
- Miastenia gravis: promove baixa pressão no esfíncter esofagiano superior e fadiga da musculatura esofágica com a deglutição repetitiva.
- Dermatomiosite: de forma semelhante à Miastenia gravis, também pode promover baixa pressão no esfíncter esofagiano superior e fadiga da musculatura deglutições repetitivas.
- Desordens do tecido conjuntivo: pressão no esfíncter esofagiano inferior baixa ou ausente; ausência de contrações esofágicas e da peristalse na musculatura lisa esofágica.
- Escleroderma esofágico: quadro semelhante ao descrito para as desordens do tecido conjuntivo.
- Diabetes mellitus: contrações de baixa amplitude e baixa pressão no esfíncter esofagiano inferior.
- Acalasia do esôfago secundária a infiltração neoplásica do esfíncter esofagiano inferior ou secundária à Doença de Chagas.
Entre os pacientes com Escleroderma, 70% possuem envolvimento do esôfago, com substituição das fibras musculares por tecido fibroso e disfunção dos nervos colinérgicos. Perda da peristalse e um esfíncter esofagiano inferior hipotensivo resultarão em um severo refluxo e constrições esofágicas nos pacientes com Escleroderma Esofágico. Pacientes com Diabetes mellitus possuem contrações esofágicas hipotensivas e alteradas devido a neuropatia autonômica, as quais podem se manifestar com disfagia e maior risco de DRGE. Já o Adenocarcinoma de Estômago (localizado na cárdia) pode causar Acalasia Secundária.
Sintomas das Desordens da Motilidade Esofágica
Disfagia (dificuldade para engolir) e dor torácica (ou dor no peito) são os sintomas principais das Desordens da Motilidade Esofágica. Pirose (azia) e regurgitação até podem ocorrer, mas são sintomas geralmente associados em pacientes que possuem sobreposto um quadro de DRGE. A intensidade e o tipo dos sintomas podem depender do tipo de desordem encontrada.
A disfagia e a perda de peso são mais comuns na Acalasia. A dor torácica é mais comum nos pacientes com Espasmo Esofágico Distal ou no Esôfago Hipercontrátil. Neste último, a disfagia também pode estar presente
Diagnóstico das Desordens da Motilidade Esofágica
A manometria esofágica é ainda o exame de escolha para o diagnóstico das desordens de motilidade esofágica.
Tem-se estudado uma outra técnica de diagnóstico chamada sistema FLIP (functional lumen imaging probe system ou sonda de imagem luminal funcional), a qual pode ser usada durante o exame de endoscopia digestiva alta em pacientes sob sedação. O FLIP mede a distensibilidade do esfíncter esofágico inferior e do corpo esofágico e a direção das ondas peristálticas (anterógrada ou retrógrada).
A seriografia esofágica ou exame radiológico contrastado do esôfago foi usado no passado, mas fornece sinais do formato esofágico durante a deglutição, o qual pode auxiliar no diagnóstico.
Tratamento das Desordens da Motilidade Esofágica
Tratamentos clínicos e cirúrgico tendem a ter melhor resposta na Acalasia Idiopática do Esôfago que nas outras desordens de motilidade esofágica.
A perda de peristalse na Acalasia Idiopática é geralmente irreversível. No entanto, se houver redução na resistência imposta pelo esfíncter esofágico inferior pode haver algum benefício na deglutição (como por dilatação pneumática do esfíncter esofágico inferior, miotomia cirúrgica à Heller com fundoplicatura parcial, miotomia endoscópica ou injeção de toxina botulínica por endoscopia digestiva alta). A injeção de toxina botulínica tende a produzir redução dos sintomas por 6 meses e pode ser repetida várias vezes, mas pode causar sintomas de DRGE. As dilatações pneumáticas (com balões de 30, 35 ou 40mm) são efetivos e com eficácia similar à miotomia à Heller, mas podem causar perfuração do esôfago em 1 a 2%.
O tratamento clínico das Desordens da Motilidade Esofágica Espásticas com bloqueadores de canal de cálcio ou injeção de toxina botulínica no esfíncter esofagiano inferior funciona em alguns casos. O tratamento da dor torácica nestes pacientes também não tem um tratamento farmacológico eficaz, mas pode-se tentar o uso sublingual de nitroglicerina (nitrato).
Bibliografia: Mittal R., Vaezi MF. Esophageal Motility Disorders and Gastroesophageal Reflux Disease. N Engl J Med 2020;383:1961-72.