Hepatocarcinoma: fatores de risco, rastreio e diagnóstico

FÍGADO, DOENÇAS E TRATAMENTOS

O Hepatocarcinoma ou HCC é o 5o câncer mais comum e a 3ª causa de morte relacionada ao câncer no mundo.3

Este tumor geralmente está associado a um fígado cirrótico, mas em algumas situações isso não ocorre. Dentre suas causas pode-se elencar:2

  • Cirrose por hepatite C crônica;
  • Cirrose alcoólica;
  • NASH (esteatohepatite não-alcoólica; pode causar HCC mesmo sem cirrose; <1% ao ano);
  • Cirrose por Hemocromatose Hereditária ou Hepatite auto-imune ou Colangite Biliar Primária ou Doença de Wilson;
  • Hepatite B crônica com ou sem cirrose (70 a 90% dos HCCs relacionados a hepatite B crônica são em cirróticos);
  • Deficiência de alfa1-antitripsina com ou sem cirrose.

Aumenta-se o risco deste câncer quando existem as seguintes características no paciente: 

  • sexo masculino; 
  • idade (quanto maior a idade da pessoa, maior o risco);
  • exposição a aflatoxina;
  • consumo de bebidas alcóolicas;
  • diabetes mellitus;
  • obesidade;
  • carga viral (quando o HCC estiver relacionado a uma doença hepática de causa viral, quanto maior a carga viral, maior será o risco);
  • sobreposição de vírus no mesmo paciente (exemplo: hepatites crônicas B e C ou hepatites crônicas B e D);
  • presença do vírus HIV.

Destaca-se que os pacientes com cirrose hepática por hepatite C crônica tratados com drogas antivirais de ação direta (DAAs) tem seu risco de HCC reduzido, mas não eliminado.3

A AASLD (American Association for the Study of Liver Diseases) não possui recomendação formal de rastreio de HCC em pacientes com Hepatite C crônica e Doença Hepática Gordurosa Não-alcoólica (DHGNA) sem cirrose (2018) .3

Formas de Rastreio (screening):

AASLD recomenda rastreio de HCC em todo paciente com risco aumentado deste tumor através da realização de ultrassonografia de abdome com ou sem a dosagem concomitante de alfa-fetoproteína a cada 6 meses (publicação de 2018).3

Assim, sugere-se rastreio deste tumor com:2,3

  • Ultrassonografia de abdome (US) de 6 em 6 meses. 2
    • Se a US detectar um nódulo hepático menor que 1cm: repetir US em 3 a 6 meses.3
    • Se a US detectar um nódulo hepático maior que 1cm: solicitar uma tomografia computadorizada (TC multifase) ou uma ressonância nuclear magnética (RNM multifase) com contraste hepatobiliar específico.3
  • A alfa-fetoproteína possui baixa sensibilidade e valor preditivo positivo limitado, por isso tem sido desencorajada como teste de rastreio. 2

A elevação da alfa-fetoproteína pode ser encontrada em outras condições que não o HCC, como: presença de hepatite C crônica, neoplasia gástrica, neoplasia testicular e na gestação. 2 Seu valor aumenta para indicar HCC caso esteja acima de 500mcg/L. No entanto, metade dos pacientes com HCC inicial tem alfa-fetoproteína em níveis normais ao diagnóstico. 2 

O valor mínimo para valorizar a alfa-fetoproteína é >20ng/mL.3 Assim, alfa-fetoproteína é melhor como fator prognóstico que como fator diagnóstico. 2 Há uma subfração da alfa-fetoproteína, com maior especificidade, mas menor sensibilidade, chamada AFP-L3% (lens culinaris lectin-binding) e a DCP (des gamma carboxy prothrombin ou proteína induzida pela ausência de vitamina K/antagonista II, a qual é uma variante da protrombina).3

Diagnóstico de HCC

Os critérios diagnósticos na TC de multifase ou na RNM multifase (com contraste hepatobiliar específico) incluem:2,3

  • nódulo hepático >1cm em fígado cirrótico e captação precoce do contraste na fase arterial;
  • presença de whashout não-periférico
  • presença de cápsula.

Outros achados na RNM que podemo sugerir HCC são: hiperintensidade na fase T2, restrição de difusão e aumento de gordura intratumoral.3

O diagnóstico de HCC não pode ser feito pela imagem em paciente sem cirrose e nestes casos a biópsia é recomendada.3

Os nódulos hepáticos com mais de 1cm devem ser classificados pelo sistema LI-RADS (Liver Imaging Reporting and Data System). Nódulos hepáticos menores que 1cm não podem ser classificados pelo LI-RADS pelo seu pequeno tamanho e falta de características.3

Probabilidade do nódulo hepático ser HCC baseado na classificação LI-RADS:3

  • LI-RADS 1 (nódulo definitivamente benigno): 0%
  • LI-RADS 2 (nódulo provavelmente benigno): 11%
  • LI-RADS 3 (nódulo intermediário): 33%
  • LI-RADS 4 (nódulo provavelmente HCC): 80%
  • LI-RADS 5 (HCC): 96%
  • LI-RADS M (nódulo maligno, não definitivamente HCC): 42% de ser HCC e 57% de ser tumor metastático

Conduta a ser tomada baseada na classificação LI-RADS dada ao nódulo hepático:3

  • Se o nódulo for considerado LI-RADS 1 ou 2, o paciente pode voltar para rastreio com ultrassom de 6 em 6 meses.
  • Se for LI-RADS 3, faça mais um rastreio em 3 a 6 meses com TC ou RNM por até 18 meses (não há tempo padronizado de término deste rastreio em TC ou RNM, mas sugere-se 18 meses e depois retorna-se ao ultrassom.
  • Se for LI-RADS 4 discuta o caso com um time multidisciplinar e considere seguir com imagem em <3 meses (TC ou RNM) ou optar por biópsia hepática.
  • Se for LI-RADS 5 já encaminhe para tratamento.
  • Se for LI-RADS M faça igual o LI-RADS 4: discuta o caso com um time multidisciplinar e considere seguir com imagem em <3 meses (TC ou RNM) ou optar por biópsia hepática.3

Os nódulos hepáticos que não preencham os critérios ou que TC e RNM não tenham dados suficientes para diagnóstico, recomenda-se acompanhamento com imagem em intervalos menores que 6 meses (geralmente em 3 meses). 2

Caso o tumor preencha critérios de imagem, tem-se o diagnóstico firmado, ou caso preencha parcialmente estes critérios, avalia-se o valor da afla-fetoproteina, que neste caso para diagnóstico deve estar >500mcg/L. 2

Nódulos hepáticos menores que 1cm devem ser acompanhadas com ultrassonografia de abdome a cada 3 meses durante 2 anos (recomendação AASLD; a European Association for the Study of the Liver ou EASL recomenda ultrassonografia a cada 4 meses durante 1 ano apenas). 2

Nódulos hepáticos com >1cm podem ser diagnosticados como HCC pela TC ou RNM. No entanto, a EASL recomenda que para lesões entre 1 e 2cm, deva-se ter os 2 exames de imagem (TC e RNM). 2

A análise histopatológica (biópsia hepática do nódulo) não é mandatória.2 A biópsia pode causar sangramento, pode vir negativa e pode causar a disseminação tumoral.3 Mas, caso a lesão hepática tenha imagem atípica, lembre-se de pedir biópsia hepática. O médico patologista deve estar acostumado com análise de HCC e caso haja dúvidas, recomenda-se complementação com imunohistoquímica com glipicano 3, HSP 70, glutamina sintetase, CD34 e citoqueratinas biliares CK7 e CK19. 2

CEUS (contrast-enhanced ultrasound) é uma opção de exame complementar, possui sensibilidade de até 85% e especificidade de até 91% para diagnóstico de HCC.3 

Bibliografia:

  1. Imane El Dika; Danny N. Khalil; Ghassan K. Abou-Alfa. Immune Checkpoint Inhibitors for Hepatocellular Carcinoma. Cancer. 2019 Oct 1;125(19):3312-3319. doi: 10.1002/cncr.32076. Epub 2019 Jul 10.
  2. Justin Hartke, MatthewJohnson, MarwanGhabril. The diagnosis and treatment of hepatocellular carcinoma. Seminars in Diagnostic Pathology34(2017)153–159.
  3. Jorge a. Marrero, laura M. Kulik, Claude B. Sirlin, andrew X. Zhu, Richard S. Finn, Michael M. abecassis, lewis R. Roberts, and Julie K. Heimbach. Diagnosis, Staging, and Management of Hepatocellular Carcinoma: 2018 Practice Guidance by the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology, Vol. 68, No. 2, 2018.

DR. JEAN TAFAREL

Hepatologia & Gastroenterologia
CRMPR: 19.809